segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Não imagino um título, para uma cena assim.

Foi ali, em um show para 40 mil pessoas que eu senti o que eu nunca tinha sentido antes, quando o avistei. Um misto entre tristeza e a vontade de começar a chorar e não parar nunca mais. Era um menino usando roupas que provavelmente ele teria ganho, pois eram bem maiores que ele. Falava tão decoradinho que parecia um vendedor de telemarketing, pelo tom de voz notava-se que ele precisava bater metas, e pelo olhar, uma tristeza sem fim. Na cestinha tinha um pano rendado, e doces caseiros imagino eu, preparados pela sua mãe, talvez ajudados pela irmã. E ele o encarregado de vender enquanto o pai talvez esteja procurando emprego, se é que ele conhece o pai. Isso passou em minha mente em questão de segundos enquanto eu analisava, com um aperto no coração, ele humildemente se esforçando para ter forças de continuar vendendo. Ele olhava pro cesto como se imaginasse que sendo um daqueles doces sua vida seria melhor, mais fácil, e menos dolorida. Foi quando me aproximei e ele me lançou um olhar que eu entendi como um apelo de resgate, foi quando eu parei. Foi quando eu senti uma rasteira no coração, uma ardência nos olhos, um nó na garganta... Foi como se eu tivesse sido esmagada pelo sentimento de pena. Pena da minha pessoa, por ser tão ingrata perante a vida que levo e mesmo assim reclamar do que tenho. Perto dele eu senti o cheiro dos bolos, e me deu vontade de comer um. Rapidamente eu lembrei dos meus pais dizendo: ''dar moedas para os meninos do sinal é errado, assim eles vão continuar pedindo'' ou então ''os mendigos pedem dinheiro pra poder comprar bebida alcoólica''. Mas aquele menino eu pensei diferente, se eu comprasse um pedaço de bolo eu estaria colaborando com alguma forma de escravidão, terrorismo ou câncer daqueles que corrói até o fim a vida de uma pessoa. Foi então que eu senti medo, e comecei a pensar nas pessoas que tinham por trás dele. Imaginei uma casa bem humilde, uma mulher com aparência cansada e uma menina sem infância ajudando-a fazer os doces. Imaginei o menino sentado em uma cadeirinha (porque não tinha sofá na casa deles, em meu pensamento) rezando para não precisar sair de novo, para que elas demorassem mais com os doces. O pai eu nem imaginava, que pai admitiria aos filhos uma vida assim? Por um momento, dei um passo para trás e meu pensamento focou na menina sem infância. Ao pensar na minha infância imaginei cores, balões, festa de aniversário. Meu estômago deu um giro, quando me dei conta que a menina poderia, se fosse mais nova que ele ter 5/6 anos de idade e se fosse mais velha 10/11 anos e poderia nunca ter tido uma festa de aniversário. Imaginei como ela deveria se sentir com a mãe explicando que o presente ficaria para a próxima data (porque algum doce ela haveria de fazer para comemorar o aniversário dos filhos) com uma lágrima quase que querendo pular do meu olho. Perdi o chão quando imaginei a dimensão de pessoas que envolve a cada uma criança que vende doces, balas. Cada adolescente que cresce assim e cai nas drogas ou vem a roubar e acaba preso, com um tiro. Senti raiva. Raiva pelo mundo ser tão desigual, das pessoas tão sem coração que existem, do congresso, do governo, e de todo mundo que possa existir no planeta terra. Minha vontade era de subir ao palco, e desviar a atenção de todas aquelas 40 mil pessoas que esperavam anciosamente pelo próximo show sem notar aquele menino. Aquele menino que precisava tanto de atenção quanto os artistas, ele não queria nada mais nada menos do que vender seus doces e voltar para casa. Eu estava me sentindo a pior pessoa do mundo, diante de uma situação dessas, eu não tinha o que fazer. Eu não queria comprar para não colaborar, mas não queria ir embora sem fazer nada. E de impulso dei um abraço nele, e deixei as lágrimas escorrerem pelo meu rosto porque eu não aguentava mais segura-las, meus olhos ardiam muito e a minha visão já estava embaçada. Quando o coloquei no chão, ele me olhou sem reação, sem entender nada. E eu fui embora me sentindo incapaz.
  Termino meu texto com um pensamento do Hans-Joachim Koellreutterr, um maestro alemão que viveu no Brasil: "Aprendam a aprender das crianças o que vocês devem ensinar." Acreditem, eu não sei o nome desse menino, não sei onde ele mora, não sei nada. Mas sinto que aprendi com ele alguma coisa, e espero um dia poder ensinar a alguém. Espero um dia conseguir expressar bem, o que eu senti.




2 comentários:

  1. Você sentiu empatia, minha amiga! Infelizmente histórias como esta sao cada vez mais comuns em nosso país. Parabéns pelo sentimento...

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  2. Ah, sim... após ler este texto um título me veio à cabeça: "A Nova Velha Infância".
    Beijos

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